Protetores auriculares e analgésicos: o caos sonoro dos recintos desportivos turcos
Kjetil Knutsen confessou ter sofrido "uma dor de cabeça intensa" ao comandar o Bodo/Glimt da Noruega na derrota por 3 a 1 frente ao Galatasaray na quarta-feira passada (22), na Liga dos Campeões, mesmo tendo levado protetores auriculares para se resguardar do ruído das bancadas.
"O ruído era excessivo, por isso acabei por os retirar", esclareceu o técnico norueguês no fim de um encontro disputado na atmosfera incendiária que os adeptos turcos geram para incentivar os seus emblemas.
"Vassar quando o oponente tem a posse de bola faz parte da estratégia: é fundamental para exercer pressão", comenta na bancada Ali Kemal Kayis, com a camisola do Galatasaray, ao lado do filho de sete anos.
A cada dois minutos, o jovem adepto tenta imitar os adultos, colocando os dedos na boca, embora na maioria das ocasiões não consiga apitar.
"Ele esforça.se, mas ainda não domina a técnica", reconhece o pai, no entanto orgulhoso do ambiente que a comunicação social descreve como "o inferno de Istambul", onde o Liverpool perdeu em finais de setembro para o Galatasaray por 1 a 0.
"É o ambiente mais hostil de que me recordo (...) Um local repleto de fanáticos enfurecidos", observou nessa ocasião Lewis Steele, jornalista britânico habituado aos jogos em Anfield, outro estádio célebre pela atmosfera nas bancadas.
No final do jogo, o médio do Galatasaray Ilkay Gündogan revelou que um jogador do Liverpool se aproximou dele para perguntar "se o ambiente é sempre tão impressionante".
108.5 decibéis
Como medida preventiva, vários jornalistas noruegueses na tribuna de imprensa na quarta-feira usaram auscultadores sem fios para tentar bloquear o máximo possível o som dos adeptos.
Um deles activou no telemóvel uma aplicação para medir o barulho e o indicador entrou na zona vermelha: 108.5 decibéis, um patamar quase tão doloroso como um grito no ouvido (110 dB), de acordo com uma tabela da Organização Mundial da Saúde (OMS).
"Já estive em muitos recintos desportivos, mas este é sem dúvida o mais ruidoso", afirmou à AFP Joerund Wessel Carlsen, jornalista da emissora pública norueguesa NRK.
O seu colega de comentadoria Carl.Erik Trop, ex.futebolista profissional, chegou a recorrer a analgésicos para aliviar a dor de cabeça após 90 minutos de v assas "insuportáveis".
O Galatasaray brincou na rede social X, sugerindo aos futuros visitantes do seu estádio que levem protetores auriculares.
"Irritar o oponente"
"Na Turquia, procura.se sempre irritar o adversário e o árbitro", explica à AFP o jornalista desportivo Alp Ulagay, que indica que a tradição das v assas provém dos pavilhões de basquetebol em Istambul, também famosos pelo seu ambiente agressivo.
A edificação, no início deste século, dos novos recintos do Fenerbahçe, Galatasaray e Besiktas, os três grandes clubes da cidade, popularizou as v assas entre os adeptos.
"Antigamente, os estádios turcos eram muito abertos. Com os novos estádios, mais fechados, todo o ruído produzido pelos adeptos ganhou muito mais repercussão", analisa Ulagay.
O jornalista recorda um Besiktas x RB Leipzig em setembro de 2017 na Liga dos Campeões: o avançado alemão Timo Werner pediu para sair aos 32 minutos, atordoado pelo barulho ensurdecedor.
Nos últimos anos, os adeptos dos três grandes de Istambul reclamaram ter alcançado recordes de decibéis.
O Fenerbahçe alega que o ruído nas suas bancadas atingiu 154.9 dB na celebração de um golo em agosto, um nível superior ao de um avião em descolagem.
Nas bancadas do Rams Park, estádio do Galatasaray, Ali Kemal Kayis não se preocupa com os tímpanos do filho.
"Por vezes tapo.lhe os ouvidos quando é muito alto, mas não é algo que o incomode", sorri.